A controladoria no agronegócio brasileiro evoluiu de uma função meramente contábil para se tornar um pilar estratégico essencial na gestão de riscos de crédito, especialmente diante do cenário desafiador de inadimplência no setor.
Essa transformação ocorre em um contexto em que o agronegócio representa 23,2% do PIB nacional (segundo dados da CNA/Cepea 2024),enfrentando desafios únicos como a sazonalidade produtiva, a dependência climática e a volatilidade de preços, tornando a gestão de riscos ainda mais complexa e fundamental para a sustentabilidade do setor.
O papel transformador da controladoria rural
A controladoria agropecuária distingue-se da tradicional porque precisa se adaptar aos ciclos biológicos e sazonais da produção. Ou seja, enquanto empresas urbanas operam com fluxos mensais regulares, empreendimentos rurais trabalham com períodos de alta concentração de custos seguidos de meses sem receita, exigindo ferramentas específicas de planejamento e controle. Essa realidade singular demanda não apenas um conhecimento contábil, mas também uma profunda compreensão dos processos produtivos rurais.
Além disso, as principais funções da controladoria rural incluem o planejamento integrado de safras, o controle detalhado de custos por cultura, a gestão financeira adaptada à sazonalidade e a produção de relatórios gerenciais especializados. Embora algumas pesquisas ainda apontem uma resistência significativa entre pequenos e médios produtores em adotar essas práticas, empresas que implementam uma controladoria estruturada tendem a demonstrar melhor performance operacional e capacidade de crescimento sustentável.
Riscos de crédito no campo brasileiro
O cenário de riscos no agronegócio brasileiro tornou-se mais desafiador nos últimos anos, com uma inadimplência que atingiu 7,6% no último trimestre de 2024 – conforme dados oficiais da Serasa Experian divulgados pelo Ministério da Agricultura –, refletindo a convergência de múltiplos fatores de risco. Entre eles, os riscos climáticos permanecem como o principal desafio, visto que a maior parte da produção agrícola brasileira permanece vulnerável às variações naturais de chuva.
É inegável que os eventos climáticos extremos podem reduzir significativamente os rendimentos, como ocorreu nas safras de 2023 e 2024, quando a produção nacional de grãos atingiu 298,41 milhões de toneladas – uma redução de 21,4 milhões de toneladas em relação ao ciclo anterior –, segundo dados oficiais da CONAB. Essa queda na safra impactou diretamente a capacidade de pagamento por parte dos produtores e contribuiu para o aumento da inadimplência no setor.
Dessa forma, diversos fatores intensificaram os riscos de mercado, como a volatilidade cambial, a pressão sobre os custos de produção e as mudanças climáticas, que afetam a distribuição geográfica de patógenos e geram novos desafios fitossanitários. Ademais, deficiências na gestão acentuam todos os outros riscos, pois produtores sem planejamento financeiro adequado ficam mais vulneráveis a choques externos.
Ferramentas modernas de gestão de riscos
Inquestionavelmente, a evolução tecnológica revolucionou as ferramentas disponíveis para a gestão de riscos no crédito rural. Empresas especializadas desenvolveram sistemas de inteligência artificial que analisam milhares de variáveis do agronegócio, gerando scores de crédito que avaliam desde o risco de inadimplência até a previsão de rendimento da propriedade. Esses sistemas são capazes de processar análises em minutos, quando comparados ao modelo tradicional, que demanda dias para realizar o mesmo processo.
Além disso, o monitoramento via satélite emergiu como tecnologia fundamental. Empresas especializadas desenvolveram sistemas proprietários que conseguem monitorar grandes extensões territoriais rapidamente, mantendo baixos índices de inadimplência nas garantias monitoradas e demonstrando a viabilidade econômica dessas soluções.
Já as Cédulas de Produto Rural (CPRs) consolidaram-se como instrumento preferencial de garantia. O volume de crédito rural aplicado na safra de 2024 e 2025 atingiu R$ 330,9 bilhões, segundo dados oficiais da Conab. Esse montante representa 68% da programação prevista para o ciclo e evidencia a importância dos instrumentos de crédito rural para o financiamento da produção.
O cenário atual da inadimplência
Os dados mais recentes revelam um quadro preocupante, mas com sinais de estabilização. A inadimplência do agronegócio de 7,6% no último trimestre de 2024 manteve-se estável em relação ao trimestre anterior, porém significativamente acima dos patamares históricos. Essa evolução reflete quedas na safra de soja e milho, assim como elevação das taxas de juros e condições climáticas adversas.
A distribuição regional mostra disparidades significativas entre as regiões brasileiras, assim como diferenças por porte de produtores. Instituições financeiras com grande exposição ao agronegócio registraram aumentos significativos na inadimplência e nas provisões contra perdas, evidenciando a materialização dos riscos acumulados no setor.
Regulamentação e compliance no crédito rural
O Banco Central intensificou as exigências regulatórias por meio de resoluções que integram critérios ambientais, sociais e de governança. A Resolução CMN 5.193/2024 tornou obrigatório o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ativo para acesso ao crédito, estabelecendo que embargos ambientais impedem novas concessões, exceto para financiamento de recuperação das áreas embargadas.
A partir de 2 de janeiro de 2026, instituições financeiras deverão consultar dados do PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) para a concessão de crédito rural, conforme determinação oficial do MCTI, condicionando a liberação dos recursos à regularização ambiental.
Dessa forma, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) mantém-se como principal instrumento de mitigação para pequenos produtores, com enquadramento obrigatório para operações de até R$ 270 mil. A partir de 1º de julho, com o início do ano-safra 2025/2026, o Proagro deixará de contemplar uma parcela dos médios produtores. O novo limite para enquadramento no seguro rural – que protege contra inadimplência em caso de perdas na produção – será reduzido para R$ 200 mil por ciclo agrícola. Assim, as regras tornaram-se mais restritivas, forçando os produtores a buscarem alternativas, como o seguro rural privado.
Tecnologia como catalisadora da transformação
O Brasil registrou um crescimento expressivo no número de agtechs ativas – também conhecidas como agrotechs ou startups de agronegócio –, que estão revolucionando a gestão de riscos por meio de big data, inteligência artificial, blockchain e sensoriamento remoto.
Além disso, bureaus de crédito desenvolveram scores especializados, utilizando dados de performance do produtor, características regionais e informações socioambientais, permitindo a democratização do acesso ao crédito.
Não podemos deixar de mencionar também as plataformas digitais de instituições financeiras, que alcançaram centenas de milhares de usuários, com crescimento expressivo em leads gerados. Assim como fintechs especializadas conseguem manter taxas de inadimplência significativamente abaixo da média do setor.
Já o blockchain emerge como solução para rastreabilidade e garantias. A Embrapa desenvolveu sistemas nacionais de rastreabilidade agropecuária, enquanto cooperativas implementam projetos de rastreabilidade completa da produção. Essa tecnologia visa proporcionar total transparência na cadeia de suprimentos, reduzindo fraudes e criando valor agregado para produtos premium.
Perspectivas para a safra 2024/2025
As perspectivas para a safra 2024/2025 são promissoras e podem impactar positivamente o cenário de crédito rural. A CONAB estima uma produção recorde de 336,1 milhões de toneladas de grãos, representando um crescimento de 13% (38,6 milhões de toneladas) em relação à safra anterior. Esse resultado decorre de boas produtividades projetadas em 4.108 quilos por hectare e no aumento de 2,3% da área cultivada, estimada em 81,8 milhões de hectares.
Além disso, asoja deve atingir uma produção recorde de 169,6 milhões de toneladas, enquanto o milho está estimado em 128,3 milhões de toneladas. Para o arroz, a estimativa é de 12,15 milhões de toneladas (crescimento de 14,9%) e para o feijão, 3,17 milhões de toneladas, garantindo o abastecimento interno.
Desempenho das exportações
O agronegócio mantém o seu protagonismo nas exportações brasileiras. As exportações do agronegócio totalizaram US$ 164,37 bilhões em 2024, segundo dados oficiais do Ministério da Agricultura, representando o segundo maior valor da série histórica. O setor respondeu por aproximadamente 50% da pauta exportadora total do país, consolidando sua importância estratégica.
De janeiro a novembro de 2024, as exportações atingiram US$ 152,63 bilhões, representando 48,9% do total das exportações brasileiras no período. Os principais setores foram complexo soja (US$ 52,19 bilhões), carnes (US$ 23,93 bilhões) e complexo sucroalcooleiro (US$ 18,27 bilhões), que, juntos, responderam por mais de 60% do total exportado.
Síntese: integração entre tradição e inovação
A controladoria no agronegócio brasileiro encontra-se em um momento decisivo de transformação. Embora os desafios sejam significativos, com inadimplência crescente e diversos riscos afetando o setor, as ferramentas disponíveis nunca foram tão sofisticadas. A integração entre o conhecimento tradicional do campo e as tecnologias emergentes cria oportunidades únicas para a gestão eficaz de riscos.
Contudo, o sucesso futuro do agronegócio dependerá da capacidade de as empresas rurais adotarem práticas modernas de controladoria, mesmo que isso signifique romper com resistências culturais arraigadas.
As instituições financeiras, por sua vez, precisam equilibrar a necessidade de provisões adequadas com o apoio ao desenvolvimento sustentável do setor. Logo, reguladores devem manter o equilíbrio entre exigências de compliance e viabilidade operacional.
Embora a tecnologia não substitua o conhecimento prático e sólido do agronegócio, ela pode amplificar sua eficácia. Nesse sentido, a controladoria moderna deve integrar a análise de dados massivos com a compreensão das particularidades locais, criando sistemas robustos, porém flexíveis.
Assim, o agronegócio brasileiro poderá não apenas sobreviver aos desafios atuais, como também consolidar sua posição de liderança global, demonstrando que é possível conciliar produtividade, sustentabilidade e gestão eficiente de riscos.
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